quinta-feira, 13 de março de 2008

Por que o brasileiro não reclama?

Porque ele acredita que, se ninguém reage, é melhor ele também não reagir.

Essa é a conclusão de um novo estudo sobre a notória passividade nacional.

SOCIEDADE
Revista Época


Por: Martha Mendonça e Ronald Freitas

Na volta para casa, na hora do rush, a barriga de nove meses da operadora de caixa Josy de Sousa Santos, de 30 anos, vai espremida entre os passageiros do metrô que liga Brasília a Ceilândia, na periferia da capital. Josy, assim como outras gestantes, mulheres com bebê no colo, idosos e pessoas com deficiência, tem direito a um assento especial em transporte público. É o que diz a Lei Federal no 10.048, em vigor desde 2000. No aperto do trem, porém, são poucas as pessoas que cedem o lugar especial à grávida. Josy não reclama. “Não peço, não gosto de incomodar nem de criar confusão”, diz. Nesse mesmo metrô, até dois anos atrás, o aposentado Antônio Alves Barbosa, de 76 anos, queixava-se quando não lhe cediam o espaço reservado para idosos. Depois que um jovem o agrediu verbalmente, desistiu de reclamar. “Ele disse que velho tinha de morrer”, afirma Barbosa.
Não se trata de um problema exclusivo do metrô de Brasília. O brasileiro não tem o hábito de protestar no cotidiano. A corrupção dos políticos, o aumento de impostos, o descaso nos hospitais, as filas imensas nos bancos e a violência diária só levam a população às ruas em circunstâncias excepcionais. Por que isso acontece? A resposta a tanta passividade pode estar em um estudo de Fábio Iglesias, doutor em Psicologia e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, o brasileiro é protagonista do fenômeno “ignorância pluralística”, termo cunhado pela primeira vez em 1924 pelo americano Floyd Alport, pioneiro da psicologia social moderna.
Não peço, não gosto de incomodar, de criar confusãoJosy de Sousa Santos, grávida de nove meses, que viaja de pé no metrô, apesar de ter direito a um assento
“Esse comportamento ocorre quando um cidadão age de acordo com aquilo que os outros pensam, e não por aquilo que ele acha correto fazer. Essas pessoas pensam assim: se o outro não faz, por que eu vou fazer?”, diz Iglesias. O problema é que, se ninguém diz nada e conseqüentemente nada é feito, o desejo coletivo é sufocado. O brasileiro, de acordo com Iglesias, tem necessidade de pertencer a um grupo. “Ele não fala sobre si mesmo sem falar do grupo a que pertence.”
Iglesias começou sua pesquisa com filas de espera. Ele observou as reações das pessoas em bancos, cinemas e restaurantes. Quando alguém fura a fila, a maioria finge que não vê. O comportamento-padrão é cordial e pacífico. Durante dois meses, ele analisou o pico do almoço num restaurante coletivo de Brasília. Houve 57 “furadas de fila”. “Entravam como quem não quer nada, falando ao celular ou cumprimentando alguém. A reação das pessoas era olhar para o teto, fugir do olhar dos outros”, afirma. O aeroviário carioca Sandro Leal, de 29 anos, admite que não reage quando vê alguém furar a fila no banco. “Fico esperando que alguém faça alguma coisa. Ninguém quer bancar o chato”, diz.
Iglesias dá outro exemplo comum de ignorância pluralística: “Quando, na sala de aula, o professor pergunta se todos entenderam, é raro alguém levantar a mão dizendo que está com dúvidas”, afirma. Ninguém quer se destacar, ocorrendo o que se chama “difusão da responsabilidade”, o que leva à inércia.
Mesmo quem sofre uma série de prejuízos não abre a boca. É o caso da professora carioca Maria Luzia Boulier, de 58 anos. Ela já comprou uma enciclopédia em que faltava um volume; pagou compras no cartão de crédito que jamais fez; e adquiriu, pela internet, uma esteira ergométrica defeituosa. Maria Luzia reclamou apenas neste último caso. Durante alguns dias, ligou para a empresa. Não obteve resposta. Foi ao Procon, mas, depois de uma espera de 40 minutos, desistiu de dar queixa. “Sou preguiçosa. Sei que na maioria das vezes reclamar não adianta nada”, afirma.
O “não-vai-dar-em-na-da” é um discurso comum entre os “não-reclamantes”. O estudante de Artes Plásticas Solano Guedes, de 25 anos, diz que evita se envolver em qualquer situação pública. “Sou omisso, sim, como todo brasileiro. Já vi brigas na rua, gente tentando arrombar carro. Mas nunca denuncio. É uma mistura de medo e falta de credibilidade nas autoridades”, afirma.
A apatia diante de um escândalo público também é freqüente no Brasil. Nas décadas de 80 e 90, o contador brasiliense Honório Bispo saiu às ruas para lutar pelas Diretas Já e pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor. No mês passado, quando o plenário do Senado realizou uma sessão secreta para julgar o presidente da casa, Renan Calheiros, o contador tentou reunir alguns colegas para uma manifestação em frente ao Congresso Nacional. Poucos compareceram. Depois disso, Bispo disse que ficou desestimulado. “Os movimentos estudantis não se mobilizam mais. A UNE sumiu”, diz, referindo-se à outrora influente União Nacional dos Estudantes.
Sou preguiçosa. Sei que na maioria das vezes não adianta reclamarMaria luzia boulier, professora que desistiu de reclamar de uma esteira ergométrica entregue com defeito
O estudo da UnB constatou que a “cultura do silêncio” também acontece em outros países. “Portugal, Espanha e parte da Itália são coletivistas como o Brasil”, afirma o psicólogo. Em nações mais individualistas, como em certos países europeus, os Estados Unidos e a vizinha Argentina, o que conta é o que cada um pensa. “As ações são baseadas na auto-referência”, diz o estudo. Nos centros de Buenos Aires e Paris, é comum ver marchas e protestos diários dos moradores. A mídia pode agir como um desencadeador de reclamações, principalmente nas situações de política pública. “Se o cidadão vê na mídia o que ele tem vontade de falar, conclui que não está isolado”, afirma o pesquisador.
O antropólogo Roberto DaMatta diz que não se pode dissociar o comportamento omisso dos brasileiros da prática do “jeitinho”. Para ele, o fato de o povo não lutar por seus direitos, em maior ou menor grau, também pode ser explicado pelas pequenas infrações que a maioria comete no dia-a-dia. “Molhar a mão” do guarda para fugir da multa, estacionar nas vagas para deficientes ou driblar o engarrafamento ao usar o acostamento das estradas são práticas comuns e fazem o brasileiro achar que não tem moral para reclamar do político corrupto. “Existe um elo entre todos esses comportamentos. Uma sociedade de rabo preso não pode ser uma sociedade de protesto”, diz o antropólogo.
O sociólogo Pedro Demo, autor do livro Cidadania Pequena s (ed. Autores Associados), diz que há baixíssimos índices de organização da sociedade civil – decorrentes, em boa parte, dos também baixos índices educacionais. Em seu livro, que tem base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o sociólogo conclui que o brasileiro até se mobiliza em algumas questões, mas não dá continuidade a elas e não vê a importância de se aprofundar. Um exemplo é o racionamento de energia ocorrido há cinco anos: rapidamente as pessoas compreenderam a necessidade de economizar. Passada a urgência, não se importaram com as razões que levaram à crise. Para o sociólogo, além de toda a conjuntura atual, há o fator histórico: a colonização portuguesa voltada para a exploração e a independência declarada de cima para baixo, por dom Pedro I, príncipe regente da metrópole. “Historicamente aprendemos a esperar que a decisão venha de fora. Ainda nos falta a noção do bem comum. Acredito que, ao longo do tempo, não tivemos lutas suficientes para formá-la”, diz Demo.
Já vi roubo de carro e não denunciei Solano Guedes, estudante de Artes Plásticas que evita se envolver em situações de confl ito em público
A historiadora e cientista política Isabel Lustosa, autora da biografia Dom Pedro I, um Herói sem Nenhum Caráter (ed. Companhia das Letras), acredita que os brasileiros reclamam, sim, mas têm dificuldades de levar adiante esses protestos sob a forma de organizações civis. “Nas filas ou mesas de bar, as pessoas estão falando mal dos políticos. As seções de leitores de jornais e revistas estão repletas de cartas de protesto. Mas existe uma espécie de fadiga em relação aos resultados das reclamações, especialmente no que diz respeito à política.” Segundo Isabel, quem mais sofre com a falta de condições para reclamar é a população de baixa renda. Diante da deterioração dos serviços de educação e saúde, o povo fica sem voz. “Esses serviços estão pulverizados. Seus usuários não moram em suas cercanias. A possibilidade de mobilização também se pulveriza”, diz.
Apesar das explicações diversas sobre o comportamento passivo dos brasileiros, os estudiosos concordam num ponto: nas filas de espera, nos direitos do consumidor ou na fiscalização da democracia, é preciso agir individualmente e de acordo com a própria consciência. “Isso evita a chamada espiral do silêncio”, diz o pesquisador Iglesias. O primeiro passo para a mudança é abrir a boca.
Paulo Procon, o campeão de reclamações
Em 1977, em plena ditadura, poucas pessoas falavam em direito do consumidor. Uma delas era o funcionário público piauiense Paulo Vinícius Basto. Naquele ano, Basto comprou um Fusca com defeito na parte elétrica. Mesmo sem o amparo de leis ou ouvidores, conseguiu fazer a Volkswagen trocá-lo por outro, ameaçando sustar o pagamento das prestações futuras. Trinta anos depois, Basto, de 55 anos, já fez 86 reclamações só no Procon do Distrito Federal. “Nunca perdi uma ação”, diz Basto, que ganhou o apelido de “Paulo Procon”. Basto tornou-se uma espécie de consultor informal de familiares e amigos no Tribunal de Contas da União, onde trabalha. “Não existe artigo do Código de Defesa do Consumidor que eu desconheça”, diz. Paulo Procon guarda folhetos promocionais, manuais e notas fiscais. Certa vez, depois de comprar um toca-fitas, percebeu que a qualidade do som não era boa. Foi à loja tentar a substituição. Sem sucesso, fez uma reclamação por escrito, em carta registrada. Foi ignorado. Parou de pagar as prestações até o departamento jurídico da empresa convocá-lo. “Quando o advogado da empresa leu minha carta, mandou devolver o dinheiro da compra”, diz. Ele já acionou companhias aéreas, operadoras de cartão de crédito e de TV por assinatura e lojas de informática, entre outros. “Nunca quis ganhar dinheiro fácil.” Mesmo assim, recebeu R$ 37 mil de indenização depois que um banco enviou indevidamente seu nome ao cadastro de inadimplentes do Serasa.
Fotos: Felipe Varanda e Anderson Schneider/ÉPOCA
Fonte: Revista Época
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG79639-6014-492,00.html

quarta-feira, 12 de março de 2008

Novo critério de fila por fígado ainda não reduziu mortalidade

Mas desde adoção, em julho de 2006, Meld diminuiu inscrições desnecessárias na lista.
por Fabiane Leite e Letícia Santos

Dados inéditos da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo indicam que o novo critério de organização da fila do transplante de fígado, adotado no País em julho de 2006, que leva em conta a gravidade do estado de saúde dos pacientes, ainda não teve o resultado desejado - reduzir a espera para todos os casos graves e assim baixar as taxas de mortalidade de pessoas que precisam do órgão. Em São Paulo, onde estão mais de 50% dos doentes da lista do País, houve aumento das mortes. Por outro lado, já há indícios de que o critério Meld (sigla em inglês para Model for End-Stage Liver Disease) diminuiu o número de inscrições desnecessárias na lista do fígado. Com o novo parâmetro, médicos não podem mais inscrever pacientes só para “guardar lugar”, como ocorria quando o critério de organização da fila era cronológico (pela data de inscrição na lista). Hoje 6.452 pessoas no País esperam um fígado - a maior fila entre os órgãos, sendo que 3.432 pacientes estão no Estado de São Paulo.A avaliação dos dados também aponta que, pela primeira vez, foi possível priorizar pacientes com câncer de fígado e com doenças metabólicas, que no critério cronológico muitas vezes não tinham chances. Os números indicam ainda que, diferentemente do que previam críticos da adoção do Meld, não houve piora da sobrevida dos pacientes transplantados.“O Meld foi um progresso e a grande vantagem do critério é que ele permite ajustes. Agora, torna-se aparente um fato: podemos considerar que houve um exagero no atendimento dos cânceres”, afirma Silvano Raia, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e pioneiro em transplantes de fígado no País que vem realizando um acompanhamento dos dados do Estado e também um estudo para o Ministério da Saúde sobre o impacto do critério em oito Estados, incluindo São Paulo. Para ele, dispositivos introduzidos junto com o Meld que beneficiaram os portadores de câncer acabaram por prejudicar outros doentes graves, o que também explicaria o aumento da mortalidade.O Meld atribui uma pontuação ao paciente, que varia de 6 a 40, de acordo com cálculos realizados a partir de três exames realizados periodicamente. No entanto, casos como os de câncer são considerados especiais e entram na lista já com pontuação 20, que é gradativamente aumentada, o que garante prioridade em relação a doentes graves já com insuficiência do fígado, por exemplo. Segundo Raia, a situação em outros Estados é semelhante. “Os resultados confirmam esta tendência de São Paulo. A porcentagem de câncer nos transplantes aumentou.” Para o professor, é hora de discutir aperfeiçoamentos do critério.Um melhor acompanhamento dos casos inscritos na espera também pode explicar o aumento dos óbitos, diz o coordenador da Central de Transplantes do Estado, Luiz Augusto Pereira. Ele reconhece que muitos pacientes graves ainda não estão sendo contemplados. “Só cerca de 40% dos transplantados são operados pela situação de gravidade segundo o Meld.” O Ministério da Saúde não comentou.Para Boutros Sanossian, de 64 anos, o Meld representou a cura. “Quando me inscrevi no sistema, era o 190º”, diz. Após oito meses, ele passou para 23º. “Estou muito bem. Para mim, é um método fantástico, porque fica monitorando quem está na fila.”

notícia enviada por Micky Woolf

sábado, 8 de março de 2008

Procuradorias tentam reduzir processos por medicamentos

Por Luiza Carvalho, de São Paulo

Parte dos Estados brasileiros tem desenvolvido, nos últimos meses, estratégias jurídicas na tentativa de reduzir o número crescente de ações judiciais por meio das quais pacientes pedem o fornecimento de medicamentos às secretarias de saúde. Isto ocorre porque o cumprimento destas decisões judiciais desorganiza o sistema financeiro dos Estados e gera o bloqueio de valores no orçamento da saúde. No Rio de Janeiro, onde os bloqueios correspondem a 20% do orçamento da saúde, a procuradoria estadual encomendou um estudo para definir critérios para o fornecimento dos medicamentos ou tratamentos. Em São Paulo, a defensoria pública tenta um acordo com a Secretaria da Saúde para regularizar o fornecimento de remédios e evitar os processos só em 2007, R$ 400 milhões foram gastos para atender a cerca de 25 mil ações judiciais no Estado.

Em grande parte dos processos são pleiteados tratamentos e drogas que não constam na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). Os juízes os concedem por julgarem que o direito à saúde é uma garantia constitucional. As decisões que negam o bloqueio de verbas são minoria no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, geralmente, ocorrem quando há a comprovação de que o paciente não corre o risco de morte.

Apesar de este ser o entendimento predominante, uma decisão do STF, proferida pela ministra Ellen Gracie no ano passado, negou o pedido de concessão de um medicamento de alto custo a um paciente do Rio Grande do Norte. Para a magistrada, a medida prejudicaria os serviços de saúde oferecidos ao restante da coletividade.

A decisão de Ellen Gracie foi um dos fundamentos do estudo desenvolvido pelo advogado Luís Roberto Barroso, do escritório Luís Roberto Barroso & Associados, encomendado pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Ao fazer uma análise das decisões em prol do fornecimento de medicamentos pelos Estados, Barroso estabeleceu critérios que serão propostos aos magistrados como, por exemplo, determinar a inserção de drogas que não estão na lista do SUS somente por meio de ações coletivas e priorizar medicamentos nacionais e genéricos. "São escolhas trágicas, mas deve se estabelecer padrões para salvar o maior número de vidas", afirma Barroso.

Outra sugestão do estudo é que o réu na demanda deve ser o ente federativo
União, Estado ou Município que tiver incluído em sua lista o medicamento solicitado. Segundo Lúcia Léa Guimarães, procuradora geral do RJ, muitas vezes o pedido é feito a mais de um ente ao mesmo tempo, o que não é conferido pelos magistrados e que, portanto, acarreta desperdício. "Esperamos que, a partir do estudo, a questão possa ser repensada nos tribunais", diz. Outra estratégia, segundo Lúcia, será a tentativa de acordos com a defensoria pública, responsável por 90% dos processos judiciais desta natureza no Estado.

Em São Paulo, os gastos com o cumprimento de decisões também são significativos. Conforme dados fornecidos pela Secretaria da Saúde, o orçamento da saúde é de cerca de R$ 6 bilhões e, em 2007, foram gastos R$ 400 milhões com o cumprimento de decisões judiciais 25% a mais do que em 2006. Segundo Vânia Agnelli Casal, coordenadora da Defensoria Pública de São Paulo que, em 2007, ajuizou cerca de 70 ações por mês pleiteando remédios o órgão tentará neste mês um acordo com a secretaria da saúde para regularizar o fornecimento de alguns medicamentos, principalmente para tratamento de diabetes. Para Vânia, há uma desorganização no sistema de saúde muitas vezes, os remédios não fornecidos pelo Estado foram receitados por médicos da própria rede pública.

Já no Rio Grande do Sul, foram feitos acordos nos últimos dois anos entre a Procuradoria, a Secretaria de Saúde e o Ministério Público para garantir o fornecimento de medicamentos de alto custo. Segundo Bruno Naundorf, coordenador da assessoria jurídica da Secretaria de Saúde do Estado, a iniciativa já surte efeitos positivos, pois os valores bloqueados mantiveram se estáveis no ano passado. Do orçamento destinado à compra de medicamentos para a população, que é de cerca de R$ 120 milhões, foram bloqueados, em 2006, R$ 22 milhões e, no ano seguinte, R$ 23 milhões
em 2005, o valor foi de R$ 7 milhões. Entretanto, os bloqueios continuam consumindo mais da metade do orçamento total da saúde. "Há muitas decisões antigas que precisam ser cumpridas", diz.

Uma das apostas da secretaria de saúde gaúcha, neste ano, é o trabalho de conscientização junto aos juízes. O desembargador Rogério Gesta Leal, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por exemplo, afirma que tem ponderado, em suas decisões, critérios como a emergência do tratamento e a condição econômica do paciente. "A responsabilidade não é só do Estado, mas também da família", diz.

Outra tentativa de diminuir os bloqueios é o Projeto de Lei nº 219, de 2007, em tramitação no Senado. O projeto, que tem o apoio do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde, estabelece critérios para a dispensa de medicamentos. "Muitos remédios indicados pelo Judiciário poderiam ser substituídos por outros da lista do SUS", diz Pedro Vieira Abramovay, secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça.

Fonte: Valor Econômico Legislação & Tributos 03/03/08

terça-feira, 4 de março de 2008

Procuradorias tentam reduzir processos por medicamentos.

por: Luiza Carvalho, de São Paulo

Parte dos Estados brasileiros tem desenvolvido, nos últimos meses, estratégias jurídicas na tentativa de reduzir o número crescente de ações judiciais por meio das quais pacientes pedem o fornecimento de medicamentos às secretarias de saúde. Isto ocorre porque o cumprimento destas decisões judiciais desorganiza o sistema financeiro dos Estados e gera o bloqueio de valores no orçamento da saúde. No Rio de Janeiro, onde os bloqueios correspondem a 20% do orçamento da saúde, a procuradoria estadual encomendou um estudo para definir critérios para o fornecimento dos medicamentos ou tratamentos. Em São Paulo, a defensoria pública tenta um acordo com a Secretaria da Saúde para regularizar o fornecimento de remédios e evitar os processos só em 2007, R$ 400 milhões foram gastos para atender a cerca de 25 mil ações judiciais no Estado.

Em grande parte dos processos são pleiteados tratamentos e drogas que não constam na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). Os juízes os concedem por julgarem que o direito à saúde é uma garantia constitucional. As decisões que negam o bloqueio de verbas são minoria no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, geralmente, ocorrem quando há a comprovação de que o paciente não corre o risco de morte.

Apesar de este ser o entendimento predominante, uma decisão do STF, proferida pela ministra Ellen Gracie no ano passado, negou o pedido de concessão de um medicamento de alto custo a um paciente do Rio Grande do Norte. Para a magistrada, a medida prejudicaria os serviços de saúde oferecidos ao restante da coletividade.

A decisão de Ellen Gracie foi um dos fundamentos do estudo desenvolvido pelo advogado Luís Roberto Barroso, do escritório Luís Roberto Barroso & Associados, encomendado pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Ao fazer uma análise das decisões em prol do fornecimento de medicamentos pelos Estados, Barroso estabeleceu critérios que serão propostos aos magistrados como, por exemplo, determinar a inserção de drogas que não estão na lista do SUS somente por meio de ações coletivas e priorizar medicamentos nacionais e genéricos. "São escolhas trágicas, mas deve se estabelecer
padrões para salvar o maior número de vidas", afirma Barroso.

Outra sugestão do estudo é que o réu na demanda deve ser o ente federativo União, Estado ou Município que tiver incluído em sua lista o medicamento solicitado. Segundo Lúcia Léa Guimarães, procuradora geral do RJ, muitas vezes o pedido é feito a mais de um ente ao mesmo tempo, o que não é conferido pelos magistrados e que, portanto, acarreta desperdício. "Esperamos que, a partir do estudo, a questão possa ser repensada nos tribunais", diz. Outra estratégia, segundo Lúcia, será a tentativa de acordos com a defensoria pública, responsável por 90% dos processos judiciais desta natureza no Estado.

Em São Paulo, os gastos com o cumprimento de decisões também são significativos. Conforme dados fornecidos pela Secretaria da Saúde, o orçamento da saúde é de cerca de R$ 6 bilhões e, em 2007, foram gastos R$ 400 milhões com o cumprimento de decisões judiciais 25% a mais do que em 2006. Segundo Vânia Agnelli Casal, coordenadora da Defensoria Pública de São Paulo que, em 2007, ajuizou cerca de 70 ações por mês pleiteando remédios o órgão tentará neste mês um acordo com a secretaria da saúde para regularizar o fornecimento de alguns medicamentos, principalmente para tratamento de diabetes. Para Vânia, há uma desorganização no sistema de saúde muitas vezes, os remédios não fornecidos pelo Estado foram receitados por médicos da própria rede pública.

Já no Rio Grande do Sul, foram feitos acordos nos últimos dois anos entre a Procuradoria, a Secretaria de Saúde e o Ministério Público para garantir o fornecimento de medicamentos de alto custo. Segundo Bruno Naundorf, coordenador da assessoria jurídica da Secretaria de Saúde do Estado, a iniciativa já surte efeitos positivos, pois os valores bloqueados mantiveram se estáveis no ano passado. Do orçamento destinado à compra de medicamentos para a população, que é de cerca de R$ 120 milhões, foram bloqueados, em 2006, R$ 22 milhões e, no ano seguinte, R$ 23 milhões em 2005, o valor foi de R$ 7 milhões. Entretanto, os bloqueios continuam consumindo mais da metade do orçamento total da saúde. "Há muitas decisões antigas que precisam ser cumpridas", diz.

Uma das apostas da secretaria de saúde gaúcha, neste ano, é o trabalho de conscientização junto aos juízes. O desembargador Rogério Gesta Leal, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por exemplo, afirma que tem ponderado, em suas decisões, critérios como a emergência do tratamento e a condição econômica do paciente. "A responsabilidade não é só do Estado, mas também da família", diz.

Outra tentativa de diminuir os bloqueios é o Projeto de Lei nº 219, de 2007, em tramitação no Senado. O projeto, que tem o apoio do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde, estabelece critérios para a dispensa de medicamentos. "Muitos remédios indicados pelo Judiciário poderiam ser substituídos por outros da lista do SUS", diz Pedro Vieira
Abramovay, secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça.

Fonte: Clipping: Sindhrio, Valor Econômico - legislação & tributos 03/03/08