terça-feira, 28 de abril de 2009

O SUS e o direito da coletividade - José Gomes Temporão.

Estamos certos de que o STF decidirá de modo ponderado e equilibrado. Pois o que está em jogo é a manutenção dos pilares conceituais do SUS
NESTA SEMANA , o Brasil galga importante degrau rumo ao aperfeiçoamento de sua democracia. O STF (Supremo Tribunal Federal) promove, em audiência pública, o encontro de conhecimentos e responsabilidades, de diferentes posições, a respeito dos diversos aspectos que estruturam o SUS (Sistema Único de Saúde), dimensionam a sua abrangência e qualificam a sua gestão.Os debates reúnem representantes dos setores diretamente envolvidos com a saúde pública brasileira. Com eles, a mais alta corte do país busca subsídios para definir como as demais instâncias do Judiciário devem se posicionar diante de uma avalanche de ações judiciais que pressionam o SUS a fornecer medicamentos e os mais variados tratamentos.
A discussão desse tema está diretamente relacionada à constitucionalização dos direitos individuais e sociais, uma vitória da democracia brasileira que precisamos garantir. Nosso sistema público de saúde tem a atribuição constitucional de oferecer a todos os brasileiros o acesso à saúde segundo um ideal de justiça social, baseado na universalidade, integralidade, resolubilidade e acessibilidade.
Único acesso aos serviços de saúde para 140 milhões de brasileiros (70% da população), o SUS tem uma produção anual de 2,3 bilhões de atendimentos ambulatoriais, 16 mil transplantes, 215 mil cirurgias cardíacas, 11,3 milhões de internações e 9 milhões de procedimentos de rádio e quimioterapia.
Na assistência farmacêutica, de 2002 até o ano passado, o orçamento do Ministério da Saúde quase triplicou, passando de R$ 2,1 bilhões para R$ 5,4 bilhões. São oferecidos medicamentos para a atenção básica e programas estratégicos, nos quais estão incluídas doenças endêmicas e negligenciadas, como tuberculose, hanseníase, malária e Chagas, entre outras, e ainda medicamentos para doenças raras e de baixa prevalência que apresentam alto custo de tratamento, como hepatite C, doença de Gaucher, Alzheimer, Parkinson e insuficiência renal crônica. O Brasil é, também, o único país em desenvolvimento a garantir, gratuitamente, tratamento integral a portadores de HIV.
No entanto, os recursos financeiros destinados ao custeio e a novos investimentos do SUS são e sempre serão finitos, sobretudo se considerados os custos crescentes na área da saúde, relacionados à ampliação dos cuidados, ao envelhecimento populacional, às características próprias da atividade econômica do setor e à crescente incorporação de novas tecnologias.
Essa incorporação tem de ser considerada diante da necessidade de atender ao conjunto das doenças que mais acometem o brasileiro, em termos de ocorrência ou de gravidade. Ela se faz a partir da análise dos critérios de eficácia, efetividade e custo/ benefício e deve estar acompanhada de regras precisas quanto às circunstâncias e condições de indicação, forma de uso, critérios de acompanhamento e interrupção. Esses protocolos, com suas necessárias revisões periódicas, são -e, para o bem do futuro do SUS, devem continuar a ser- o norte dessa política.
Está nas mãos do Judiciário brasileiro a responsabilidade de julgar casos em que, muitas vezes, prescrições médicas privilegiam medicamentos extremamente caros em situações em que o SUS oferece remédios eficazes para o mesmo tipo de tratamento a custo muito mais compatível.
Impressiona e preocupa como a pressão por incorporação de procedimentos experimentais, produtos não registrados no país, tecnologias sem forte consenso entre especialistas, que envolvem milhares de desdobramentos judiciais, tem distorcido a imagem da gestão do SUS, incorretamente tratada como dificultadora do acesso a procedimentos e medicamentos. Transferir para o SUS a responsabilidade por atendimento feito fora de suas normas operacionais pode gerar consequências como desregulação do acesso assistencial, perda da integralidade e redução de controle e avaliação da atenção prestada.
Na verdade, devemos buscar um modelo em que o Estado, os médicos e as entidades que representam os pacientes possam juntos estabelecer critérios transparentes, baseados em protocolos e consensos terapêuticos, a custos que a sociedade brasileira possa suportar.
O objetivo dessa estratégia deverá estabelecer normas, mecanismos e instrumentos operacionais para proteger as pessoas e a coletividade, garantindo a integralidade assistencial com o melhor resultado, o menor risco e custos compatíveis.Estamos certos de que o STF, como de hábito, decidirá de modo ponderado e equilibrado. Pois o que está em jogo é a manutenção dos pilares conceituais do SUS.

JOSÉ GOMES TEMPORÃO , 57, é o ministro da Saúde. Médico, é mestre em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e doutor em medicina social pelo Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Fonte: FOLHA DE S.PAULO - OPINIÃO São Paulo, domingo, 26 de abril de 2009