Ministro, médico e paciente
por Rogério Tuma
O Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os médicos e os hospitais deveriam acordar para um sério problema que freqüentemente vai parar na Justiça: a cobertura dos planos de saúde. Mas as pendências poderiam ser evitadas, caso reinasse o espírito que norteia a verdadeira medicina.É claro que todos nós sabemos dos superlativos gastos da medicina. Mas em um período em que termos como produtividade e lucro se misturam com benemerência, vida e respeito, a responsabilidade de todos nós como médicos e mais ainda como cidadãos é defender o direito à vida e o acesso universal às técnicas que a medicina moderna pode oferecer.É por isso que, em março, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deixou claro na pessoa do ministro Carlos Alberto Menezes que “não parece razoável que se exclua determinada opção terapêutica se a doença está agasalhada no contrato.” E continua: “Isso quer dizer que o plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está especificado para a respectiva cura”.Na velocidade em que se evolui o tratamento médico, um dia depois de o consumidor assinar o contrato poderá surgir uma nova opção terapêutica para a doença que, por ventura, o mesmo adquirir. O que fazer então? Muitos de nós, profissionais, fomos treinados no tempo do raio X. O ultra-som, a ressonância, o PET scan são tecnologias novas, que não foram sequer imaginadas quando assinamos nossos contratos com os planos de saúde, nem pelo cliente nem pelo plano. É por isso que existe um reajuste anual na taxa a ser paga. Porém, em geral não existe uma cláusula de inclusão de novas doenças, tratamentos ou tecnologias, que seja favorável ao cliente nesses contratos.Fez muita justiça o STJ ao enxergar isso e deixar clara a correção desse desequilíbrio na relação cliente e fornecedor.O STJ também explicitou que o médico é quem deve escolher o tratamento. “É preciso ficar bem claro que o médico, e não o plano de saúde, é responsável pela orientação terapêutica. Entender de modo diverso põe em risco a vida do consumidor.”Mas como na medicina quase toda solução gera um problema, é preciso ficar claro que um tipo especial de cliente continua desamparado. São os pacientes que possuem doenças novas, cujo tratamento ainda é experimental. Há ainda aqueles cujo tratamento não é mais experimental, mas não consta na relação da Anvisa.Para o último caso, temos um problema claro que nasceu de uma solução publicada em 11 de abril, pelo Journal of American Medical Association (Jama), coordenado pelo dr. Julio Voltarelli, da Escola de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.Um brilhante grupo de cientistas brasileiros acaba de publicar um trabalho que aponta para novo tratamento. Ao que tudo indica, será extremamente eficaz para o diabetes mellitus tipo I. Essa doença é uma das que mais consomem recursos dos sistemas de saúde. Um diabético, durante a sua vida, gasta centenas de milhares de reais com o tratamento e deixa de produzir outras centenas de milhares pelas seqüelas que a doença avançada pode ocasionar.O tratamento proposto, o transplante de medula óssea autóloga, não é experimental. A inovação foi aplicá-lo para uma doença que, recentemente passou a ser considerada auto-imune por uma falha do sistema imunológico do próprio organismo. O corpo passa a atacar a célula do pâncreas que produz a insulina, tornando o indivíduo diabético. Se a técnica do transplante não é experimental, o tratamento do diabetes é?Muito bem, o problema criado é ainda maior se considerarmos ou não o tratamento como experimental. O Ministério da Saúde publicou, em maio de 2006, uma portaria que regulamenta o transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas (lê-se transplante de medula óssea). Essa regulamentação faz uma míope lista de indicações ao procedimento que excluiu o uso cada vez mais comum para tratamento de doenças auto-imunes. Uma relação de sugestões de novos usos para o procedimento deverá ser apresentada ao Ministério da Saúde. A previsão é de que a resposta saia em quatro semanas.O que os convênios costumam fazer é utilizar a lista publicada para aprovar ou negar um tratamento. Pecam o Ministério e a Anvisa em não deixar claro que a lista de opções tem fim específico e não poderia ser utilizada dessa maneira. Deveriam deixar isso claro colocando um artigo em todas as portarias para impedir essa manobra. Os convênios fazem isso para negar reembolso, por exemplo, de simples meningites virais, que podem não ser cobertas por um convênio se existir cláusula de que não há cobertura de doenças que necessitam de comunicação obrigatória ao Ministério da Saúde.O outro monstruoso problema é que os hospitais que estão entre a observância da Vigilância Sanitária e o papel de servir as fontes pagadoras acabam dificultando o acesso dos pacientes às novas terapêuticas, provocando uma enxurrada de ações na Justiça, que quase invariavelmente dá ganho de causa ao paciente.Já que o Poder Judiciário avalia o risco de morte em não instituir um tratamento para suas deliberações, e que hoje em dia são poucas as doenças que necessitam internação por motivo outro que não o risco de morte, fica fácil entender que a negativa do hospital é ineficaz. O hospital então, e não o seguro, arca com o prejuízo.Nós, brasileiros, demos um grande passo para a cura de uma doença que aflige o mundo todo. Se esse tratamento der certo, haverá até um crescimento mundial da economia por tornarmos milhões de cidadãos produtivos por mais tempo. Haverá impacto na expectativa de vida e nos índices de qualidade de vida, mas isso só ocorrerá se o Ministério da Saúde conseguir evitar os artifícios que os planos utilizam para culpá-lo por não oferecer uma opção terapêutica.O Ministério da Saúde e a Anvisa precisam se posicionar em relação àqueles que usaram indevidamente as suas portarias e recomendações.Nós, médicos, seja de beira do leito ou administradores, acima de tudo temos de lembrar do nosso compromisso com o paciente e sua família e lutar incansavelmente pela saúde física e mental de quem depende de nós. Jamais podemos esquecer que não só o direito, mas também a responsabilidade de indicar um tratamento, é do médico. Como cidadãos temos de lutar pela universalização dos tratamentos e pelo princípio da igualdade para que todos possam receber o melhor e sem preconceito.
O Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os médicos e os hospitais deveriam acordar para um sério problema que freqüentemente vai parar na Justiça: a cobertura dos planos de saúde. Mas as pendências poderiam ser evitadas, caso reinasse o espírito que norteia a verdadeira medicina.É claro que todos nós sabemos dos superlativos gastos da medicina. Mas em um período em que termos como produtividade e lucro se misturam com benemerência, vida e respeito, a responsabilidade de todos nós como médicos e mais ainda como cidadãos é defender o direito à vida e o acesso universal às técnicas que a medicina moderna pode oferecer.É por isso que, em março, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deixou claro na pessoa do ministro Carlos Alberto Menezes que “não parece razoável que se exclua determinada opção terapêutica se a doença está agasalhada no contrato.” E continua: “Isso quer dizer que o plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está especificado para a respectiva cura”.Na velocidade em que se evolui o tratamento médico, um dia depois de o consumidor assinar o contrato poderá surgir uma nova opção terapêutica para a doença que, por ventura, o mesmo adquirir. O que fazer então? Muitos de nós, profissionais, fomos treinados no tempo do raio X. O ultra-som, a ressonância, o PET scan são tecnologias novas, que não foram sequer imaginadas quando assinamos nossos contratos com os planos de saúde, nem pelo cliente nem pelo plano. É por isso que existe um reajuste anual na taxa a ser paga. Porém, em geral não existe uma cláusula de inclusão de novas doenças, tratamentos ou tecnologias, que seja favorável ao cliente nesses contratos.Fez muita justiça o STJ ao enxergar isso e deixar clara a correção desse desequilíbrio na relação cliente e fornecedor.O STJ também explicitou que o médico é quem deve escolher o tratamento. “É preciso ficar bem claro que o médico, e não o plano de saúde, é responsável pela orientação terapêutica. Entender de modo diverso põe em risco a vida do consumidor.”Mas como na medicina quase toda solução gera um problema, é preciso ficar claro que um tipo especial de cliente continua desamparado. São os pacientes que possuem doenças novas, cujo tratamento ainda é experimental. Há ainda aqueles cujo tratamento não é mais experimental, mas não consta na relação da Anvisa.Para o último caso, temos um problema claro que nasceu de uma solução publicada em 11 de abril, pelo Journal of American Medical Association (Jama), coordenado pelo dr. Julio Voltarelli, da Escola de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.Um brilhante grupo de cientistas brasileiros acaba de publicar um trabalho que aponta para novo tratamento. Ao que tudo indica, será extremamente eficaz para o diabetes mellitus tipo I. Essa doença é uma das que mais consomem recursos dos sistemas de saúde. Um diabético, durante a sua vida, gasta centenas de milhares de reais com o tratamento e deixa de produzir outras centenas de milhares pelas seqüelas que a doença avançada pode ocasionar.O tratamento proposto, o transplante de medula óssea autóloga, não é experimental. A inovação foi aplicá-lo para uma doença que, recentemente passou a ser considerada auto-imune por uma falha do sistema imunológico do próprio organismo. O corpo passa a atacar a célula do pâncreas que produz a insulina, tornando o indivíduo diabético. Se a técnica do transplante não é experimental, o tratamento do diabetes é?Muito bem, o problema criado é ainda maior se considerarmos ou não o tratamento como experimental. O Ministério da Saúde publicou, em maio de 2006, uma portaria que regulamenta o transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas (lê-se transplante de medula óssea). Essa regulamentação faz uma míope lista de indicações ao procedimento que excluiu o uso cada vez mais comum para tratamento de doenças auto-imunes. Uma relação de sugestões de novos usos para o procedimento deverá ser apresentada ao Ministério da Saúde. A previsão é de que a resposta saia em quatro semanas.O que os convênios costumam fazer é utilizar a lista publicada para aprovar ou negar um tratamento. Pecam o Ministério e a Anvisa em não deixar claro que a lista de opções tem fim específico e não poderia ser utilizada dessa maneira. Deveriam deixar isso claro colocando um artigo em todas as portarias para impedir essa manobra. Os convênios fazem isso para negar reembolso, por exemplo, de simples meningites virais, que podem não ser cobertas por um convênio se existir cláusula de que não há cobertura de doenças que necessitam de comunicação obrigatória ao Ministério da Saúde.O outro monstruoso problema é que os hospitais que estão entre a observância da Vigilância Sanitária e o papel de servir as fontes pagadoras acabam dificultando o acesso dos pacientes às novas terapêuticas, provocando uma enxurrada de ações na Justiça, que quase invariavelmente dá ganho de causa ao paciente.Já que o Poder Judiciário avalia o risco de morte em não instituir um tratamento para suas deliberações, e que hoje em dia são poucas as doenças que necessitam internação por motivo outro que não o risco de morte, fica fácil entender que a negativa do hospital é ineficaz. O hospital então, e não o seguro, arca com o prejuízo.Nós, brasileiros, demos um grande passo para a cura de uma doença que aflige o mundo todo. Se esse tratamento der certo, haverá até um crescimento mundial da economia por tornarmos milhões de cidadãos produtivos por mais tempo. Haverá impacto na expectativa de vida e nos índices de qualidade de vida, mas isso só ocorrerá se o Ministério da Saúde conseguir evitar os artifícios que os planos utilizam para culpá-lo por não oferecer uma opção terapêutica.O Ministério da Saúde e a Anvisa precisam se posicionar em relação àqueles que usaram indevidamente as suas portarias e recomendações.Nós, médicos, seja de beira do leito ou administradores, acima de tudo temos de lembrar do nosso compromisso com o paciente e sua família e lutar incansavelmente pela saúde física e mental de quem depende de nós. Jamais podemos esquecer que não só o direito, mas também a responsabilidade de indicar um tratamento, é do médico. Como cidadãos temos de lutar pela universalização dos tratamentos e pelo princípio da igualdade para que todos possam receber o melhor e sem preconceito.
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